Provas e tipos

    É uma sexta-feira, último dia letivo de agosto. Estou sentado à mesa do professor enquanto meus alunos do 9º ano fazem uma prova de matemática. Isso mesmo, matemática, mesmo eu sendo professor de português! É que a escola implantou um sistema em que todas as turmas fazem avaliações da mesma disciplina durante os mesmos horários, independente do professor que estiver em sala. Para deixar a semana de provas mais organizada e não correr risco de não estudarem confiando que o professor da disciplina vai ajudar na hora agá, disseram.

(Imagem gerada por IA pelo autor do texto).


Modéstia à parte, sou muito bom em matemática e ajudaria a turma sem grandes dificuldades, mas claro que preciso fazer a cena do “sou de humanas” e até do “tomei chá de amnésia no café da manhã” (clássica) para respeitar as ordens dos superiores. Só que o ponto do meu texto nem é esse, eu apenas queria deixar registrados alguns dos meus pensamentos enquanto olho para cada um deles.

Durante toda prova, sob a perspectiva do professor, é possível identificar alguns tipos; sim, personagens-tipo, aqueles bem característicos e (perdoem-me por isto) estereotipados. Todos já passamos por sextas-feiras como esta e sabemos o quanto uma avaliação de matemática pode desestabilizar um ser humano e como pode configurar a maior de nossas preocupações durante um período.

Pedindo, mais uma vez, o perdão do leitor, agora por conta do discurso manjado, só quero fazer constar que chego a sentir falta de estar do outro lado da história: ser apenas um em meio a tantos e não ter o peso de “deter o saber”. Preferia me preocupar com relações trigonométricas do que com pagar meus financiamentos e ter que resolver problemas (não os da matemática).

Claro, claro, enrolei demais. Os tipos, sim, os tipos. Tem os clássicos perdidos, que não fazem ideia do que responder, que até devem ter estudado, mas aritmética não é a coisa deles. Estes chegam a ser uns pobres coitados; sempre que cruzamos o olhar, desviam e fingem estar pensando, mas até imagino o que passa em sua mente: “Jesus, e agora? Será que me salvo na prova 2 ou a recuperação já é certa? Meu Deus, o professor olhou pra cá. Calma, faz que pensando. Caneta na boca. Não, melhor não, caneta na orelha, vai. Franze a testa”, algo assim.

Tem os que também não sabem nada, mas que não estão nem aí. Daqui a poucas horas, estarão diante de seus computadores ou celulares jogando um jogo qualquer que juram que faz ganhar dinheiro se for bom, só precisa treinar bastante, por isso jogam, ou vendo fofocas e bobeiras no Tiktok ou no Twitter (nem julgo tanto, porque amo fazer o mesmo). Eles olham para o xis e devem pensar: “que se dane o xis, em que minha vida muda com isso?”

Os inseguros geralmente são ótimos alunos, mas falta estar escrito “DESESPERADO” em sua testa. Estudam horrores, fazem vários resumos, muitas vezes até explicam a matéria para os perdidos e os confiantes (apesar de que estes são meio chatos para aceitar ajuda dos colegas) e ficam super ansiosos e estressados, certos de que se esquecerão de tudo. Geralmente vão muito bem e são os mais caprichosos, mas sua carinha de desamparo é impagável, um fenótipo da Coitadolândia. Seu maior problema é que podem sofrer com os “brancos” em questões muito específicas, mas costumam dominar bem as palavras e desenrolar com outros termos.

Tem os confiantes. Estes são legais, sempre quis ser. Apesar de nerd, sou do tipo dos inseguros. Os confiantes fazem a prova direto à caneta, nem fazem de lápis para depois reler 15 vezes antes de colocarem tinta e entregarem. Estes estudaram, mas não tanto quanto outros, e provavelmente bastaram as explicações e exercícios do livro, sem muitas anotações. Eles geralmente são os primeiros a entregar a prova e se saem bem. O ponto é que um confiante pode quebrar feio a cara, porque muitas vezes se esquece do “justifique sua resposta” ou de conceitos importantes por se ater aos que já conhece bem. Vale destacar que você pode estar confiante para uma atividade específica, mas isso não é suficiente para te definir como tal (vai pensando que tipo social é brincadeira), e que a mesma pessoa pode ser um confiante em uma matéria e um perdido em outra.

Há, também, os espertinhos, com nervos ópticos de metros. Eles não podem perceber uma brecha que já tentam espiar a prova do colega, nem sei se por necessidade ou mero prazer. Têm encanto em anotações escondidas, cadernos entreabertos sob a mesa e nas famosas folhas de rascunho, repletas de anotações tão fraquinhas que requerem análises a milímetros de distância. Mal sabem, ingênuos, que prejudicam a si e que nós, professores, percebemos com clareza sua postura. Como é bom descontar uns pontinhos ao final ou passar pela sala, fechar seu caderno “acidentalmente caído” ao lado da mesa e aberto por ironia do destino bem na página do livro onde está a resposta da 7. Com falsa simpatia sempre falo: “olha, Fulano, seu livro caiu sem querer, já guardei pra você!” ou até paro ao lado e exclamo para a turma: “Pessoal, lê direitinho a questão antes de responder, hein!” (mesmo nem sendo da minha matéria). Os espertinhos geralmente são os mesmos que tentam tumultuar com piadinhas ou comentários durante o ápice da concentração da turma.

Concluo com os indecifráveis. São poucos, mas há quem eu não consiga desvendar de forma alguma. Estes podem tanto estar tirando a prova de letra quanto planejando um atentado ao final do período que eu jamais saberei (a não ser após a nota ou o massacre). Seus rostinhos são neutros e seu ritmo, caracterizado por muitas pausas, constante.

Como é bom ter devaneios como este, tentar entrar em cada cabecinha e imaginar o produto dos processos. Não vejo a hora de reencontrá-los cheios de prosperidade e boas histórias para contar. Menos os espertinhos, que raiva desse tipo!

Por Samuel Reis.


Comentários

  1. Sou o aluno que não estuda nada mas mt confiante do 7+ KKKKKKKKKKK

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  2. Kkkkk eu amei, sou muito o tipo de insegura que fica pensando oq vai fazer dps dessa prova.

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